– Cora Ronai -
O Brasil tem uma dívida de gratidão com o governador Geraldo
Alckmin. Se ele não tivesse soltado a tropa de choque em cima dos manifestantes
que protestavam em São Paulo contra o aumento do preço das passagens, é
possível que o maior movimento social do país jamais tivesse chegado às ruas. A
onda de indignação começou a se formar assim que as primeiras fotos e vídeos
das agressões da polícia circularam pela internet; ela se transformou em
tsunami quando, horas depois, o governador veio a público defender a polícia e
atacar os manifestantes. Como assim? Quer dizer que o cidadão, que paga a
conta, ainda tem que aguentar todos os desaforos do governo caladinho, fechado
em casa?! É isso?!
Para quem estava nas redes sociais, o que aconteceu a partir
daí rolou como um filminho. Subitamente, todos os outros assuntos retrocederam,
como fez a maré na Ásia, e as timelines foram tomadas pela insatisfação geral.
No sábado, o Twitter e o Facebook mal aguentavam o peso da comoção. Algo de
grande e de inesperado estava se formando. No dia seguinte, tentei definir o
que estava sentindo:
” Estou maravilhada com o que está acontecendo no país. Há
quem se queixe que a população não se manifestou em relação ao mensalão, à PEC
37, à roubalheira em geral e à da Copa em particular, e que o preço da passagem
seria uma causa “menor”; mas a gente nunca sabe qual é a gota d’água, qual é o
estopim que faz com que todo mundo tenha vontade de gritar junto. O que no
começo era só um protesto contra 20 centavos virou o protesto que todos queríamos,
contra todas as desfeitas que nos vêm sendo feitas de todos os lados, por todos
os partidos, por todos os poderes.
É um protesto que, pelo menos à primeira vista, “pegou”.
Ao longo dos últimos anos, fui chamada para N manifestações
diferentes, muitas das quais coincidiam com a minha opinião. Nenhuma, porém,
tinha jeito de dar liga. Faltava sempre alguma coisa que não sei definir — e
que talvez fosse até a polícia na rua, quem sabe? Faltava a empolgação geral, o
arrepio na espinha, a massa crítica.
Agora é diferente.
Pela primeira vez em muitos anos — mais especificamente,
desde o impeachment do Collor — dá para
sentir uma tensão no ar, um alento, o brilho de uma esperança coletiva que não
discrimina sexo, idade, classe social.
As manifestações da semana que vem podem não dar em nada. A
ideia dos panos brancos nas janelas pode — sem trocadilho — passar em branco. É
possível até que o momento de indignação geral já tenha passado quando a
quinta-feira chegar e for a nossa vez de, aqui no Rio, ir às ruas (eu estava
mal informada, não sabia que já tínhamos protesto marcado para a
segunda-feira). Penso muito nisso, para não dar corda demais às minhas
expectativas e não me amargurar se nada acontecer.
Mas também pode ser que estejamos diante de um grande
momento. Que não será apenas um protesto contra o aumento das passagens, mas
uma formidável manifestação de cidadania — algo de que nos orgulharemos no
futuro, e que contaremos, cheios de saudades, aos nossos filhos e netos.”
Até agora, 2h12 de quarta-feira, não tenho motivo para
amargura; ao contrário, estou feliz, orgulhosa do meu país e da minha cidade.
Quem pede foco aos manifestantes ainda não entendeu que, antes de qualquer
coisa, este é um movimento pela cidadania, um movimento que diz ao poder canalha
que temos que ele não nos representa.
A hashtag #ForaDilma disparou para o primeiro lugar nos TTs
(trending topics) do Twitter na terça-feira à noite, logo após a burocrática e
irrelevante declaração da presidente sobre as manifestações. Não tenho nenhuma
simpatia por ela, muito antes pelo contrário, mas acho que definitivamente não
é por aí — mesmo porque as alternativas para substituí-la, ao menos no momento,
são Michel Temer e Renan Calheiros.
A meu ver, as manifestações não são contra A, B ou C, mas
contra a classe política como um todo. Cansamos de ver o nosso dinheiro indo
para o lixo, cansamos de ver Brasília transformada num balcão de negócios,
cansamos da roubalheira e do deboche dos nossos governantes. Todos eles. De
todos os partidos, de todos os poderes e de todas as esferas.
“O povo acordou,
o povo decidiu,
ou para a roubalheira ou
paramos o Brasil”,
entoavam os manifestantes em Juiz de Fora.
Eles me representam.
***
Justo no meio disso tudo, a presidente — a “presidenta”, a
chefona, a manda-chuva, a über-faxineira, a mulher que só fala aos gritos com
os seus comandados — deixou Brasília para ir a uma consulta urgente em São
Paulo… com o seu marqueteiro!
Putz. Essa não
entendeu nada mesmo.
E não,
ela não me representa.
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